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La Place

Annie Ernaux

3/5 estrelas
Revisado por J.
23 de Agosto, 2025

Nesta obra - a primeira que li da Annie Ernaux - ela começa por anunciar a morte do seu pai e depois segue o relato da vida dele, sobre o que ela se lembra. Uma particularidade deste livro é a vontade da Annie de ser a mais neutra possível, uma "écriture plate": ela usa frases simples, curtas e com ausência de emoções. Este livro entra numa categoria chamada "autosociobiografia".

O seu pai foi evoluindo nas classes sociais: passando da agricultura a trabalho em oficina, até ser dono do seu próprio café-épicerie com a mulher. Ele sabia pouco ler e escrever, o que podia trazer frustrações (por exemplo, em assinaturas de contrato no notário, ou ao enganar-se ao entrar na classe errada no comboio) e era totalmente diferente da Annie: que estudou letras e tornou-se professora.

Ele descreveu essa ruptura de maneira muito clara para ela:

"Les livres, la musique, c'est bon pour toi. Moi, je n'en ai pas besoin pour vivre."

(PT) "Os livros, a música, isso é bom para ti. Eu, não preciso disso para viver."

Acho esta frase muito forte. Com certeza que um pai quer o melhor para os seus filhos - mas como é que cada um lida com as diferenças? Apoio? Negação? Ciúmes? Neste caso, pareceu-me simplesmente que o pai dela estava ultrapassado pelos esforços que fazia no trabalho para sustentar a família com a mulher, e que não conseguia compreender ou seguir o que fazia a Annie (que teve esta oportunidade graças aos pais, claro). Posso estar enganado, mas neste caso pareceu-me reagir com negação.

O que me traz à primeira página do livro, onde ela dá uma citação de Jean Genet:

"Je hasarde une explication: écrire c'est le dernier recours quand on a trahi."

(PT) “Arrisco uma explicação: escrever é o último recurso quando se traiu.”

Porque é que ela consideraria isto como uma traição? Será que ela gostaria de ter sido mais próxima do pai dela? Ao custo da sua própria vontade de cultura e de seguir o que gostava? Com a fratura entre as duas origens - um pai do mundo trabalhador e ela mais intelectual - poderia explicar isso.

Algo que achei interessante foi mesmo no fim do livro: a Annie explica ter reencontrado uma aluna dela num supermercado, mas não conseguia lembrar-se do nome dela, nem em que turma ela esteve. Um contraste adicional, em que o seu pai - muito provavelmente - se teria lembrado das pessoas que encontrou, dos nomes e dos detalhes sobre essas pessoas.

Afinal, não achei este livro muito marcante para mim, mesmo que bem escrito, e vou querer sem dúvida nenhuma ler outras obras da Annie nos próximos anos.

Citações Marcantes

"Il n'est jamais entré dans un musée, il ne lisait que Paris-Normandie et se servait toujours de son Opinel pour manger. Ouvrier devenu petit commerçant, il espérait que sa fille, grâce aux études, serait mieux que lui."

"Je voudrais dire, écrire au sujet de mon père, sa vie, et cette distance venue à l'adolescence entre lui et moi. Une distance de classe, mais particulière, qui n'a pas de nom. Comme de l'amour séparé."